quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Advento


Advento: “quem sabe faz a hora”

 José Lisboa Moreira de Oliveira
Filósofo, teólogo, escritor e professor universitário

            No cristianismo, especialmente no Catolicismo Romano, a celebração do Natal é sempre precedida de um tempo de preparação conhecido como Advento. São quatro semanas nas quais os cristãos e as cristãs se preparam para celebrar o nascimento de Jesus. São características do Advento as atitudes de espera e de expectativa. A atitude da espera remonta ao tempo dos reis, quando estes costumavam visitar alguma cidade ou algum lugar. O povo ficava esperando o rei e essa espera se revestia ao mesmo tempo de expectativa acerca daquilo que o rei iria trazer para os súditos. Na maioria das vezes a espera e a expectativa eram revestidas de muita angústia, um vez que a visita de um rei quase sempre significava más notícias para o povo: mais impostos, mais decretos, mais opressão etc. Por essa razão esse tempo de espera era acompanhado de muita passividade, exceto quando alguns cidadãos mais exaltados resolviam se rebelar contra o rei e espera-lo com uma revolta, a qual geralmente era sufocada brutalmente pelo exército do rei.

            Na liturgia cristã a espera e a expectativa, típicas do tempo do Advento, têm uma conotação bem diferente. Não se trata de esperar um rei poderoso que vai chegar, trazendo más notícias para os seus súditos. Por isso não é um tempo de angústia e de tristeza, mas de uma expectativa alegre, uma vez que aquele que vai chegar é alguém profundamente simples e humilde; uma criança totalmente dependente e carente de tudo. E, enquanto criança carente e dependente, não mete medo. Pelo contrário, suscita nas pessoas sentimentos de ternura, de compaixão e de confiança. A espera cristã, da qual fazemos memória no Advento, também não é uma espera passiva, mas um convite a confiar e agir, pois aquele que vai chegar nos anima na direção do engajamento e do compromisso.

            Todo e qualquer tempo litúrgico que celebramos na Igreja tem como finalidade nos lembrar uma dimensão permanente da existência cristã. Não se trata de viver determinadas atitudes por um período e depois nos esquecermos totalmente delas. Nesse sentido, o tempo do Advento quer nos chamar a atenção para uma dimensão constante da existência cristã. Todo cristão, toda cristã, toda comunidade eclesial precisa viver num permanente estado de espera e de expectativa do Senhor que está para vir. A Igreja aproveita da celebração do Natal para relembrar, durante quatro semanas que o antecedem, esta condição permanente da vida cristã. A espera e a expectativa cristãs não devem acontecer apenas no período do Advento, mas durante toda a vida de um cristão e de uma cristã. As primeiras comunidades cristãs perceberam isso com muita nitidez. Em suas reuniões e celebrações costumavam suplicar: Maranatá, expressão aramaica que literalmente significa “vem Senhor” (Ap 22,20; 1Cor 16,22). Aliás, uma expressão já usada pelos judeus, antes do cristianismo. Normalmente quando um judeu encontrava outro judeu costumava dirigir-se a ele com essa expressão, manifestando a sua crença na eminente vinda do Messias.

            Enquanto dimensão permanente da vida cristã o Advento, a espera e a expectativa expressam antes de tudo a convicção de que o Deus de Jesus se manifesta sempre na história, ou seja, na realidade da vida cotidiana. Ele se faz sempre presente em nossa existência, convidando-nos ao seguimento de seu Filho e a nos engajarmos em ações concretas que revelem a presença do Reinado de Deus no meio de nós.

Porém, a característica principal dessa manifestação é a surpresa. Deus não avisa que ele vai chegar, que ele vai se manifestar, que ele vai se revelar às pessoas e às comunidades. Ele chega de improviso (Mt 24,43-44): “Eis que venho como um ladrão” (Ap 16,15). Geralmente as manifestações de Deus se dão de maneira bem simples: em situações, lugares e pessoas que nós nem sequer imaginamos. Por esse motivo Jesus nos convida a ficarmos atentos e atentas para sabermos “interpretar o tempo presente” (Lc 12,54-57), ou seja, para percebermos nos acontecimentos do momento em que estamos vivendo os apelos de Deus.

            Por essa razão um outro elemento significativo que caracteriza o Advento, enquanto estado permanente da vida cristã, é a vigilância (Lc 12,35-48). Vigiar não é ficar apavorado, com medo, com ânsia, com insônia, temendo a chegada de um carrasco. Vigiar é dispor-se a escutar o chamado divino que se manifesta no cotidiano da vida e dispor-se a realizar a tarefa que ele quer nos confiar. Os Evangelhos expressam tal convicção através de uma simbologia estupenda: “Estejam com os rins cingidos e com as lâmpadas acesas” (Lc 12,35). A vigilância é, pois, essa atitude de quem está antenado, sintonizado com a realidade para nela perceber os apelos divinos.

Note-se que não se trata de estar sintonizado diretamente com Deus, mas com a realidade na qual Deus se manifesta. Há muitos que perdem tempo querendo descobrir a voz de Deus e se esquecem de que ele está falando por meio dos sinais dos tempos, através daquilo que está acontecendo no mundo. Pelo menos é o que a Bíblia nos ensina através dos relatos de vocação. O vocacionado ou vocacionada fica querendo saber diretamente de Deus o que ele quer, mas ele sempre os convida a ver, a ouvir, a enxergar, a dar-se conta da realidade onde ele está se manifestando (Êx 3,7-10).

O tempo do Adento é, pois, uma oportunidade que temos de reavivar a nossa espera e a nossa expectativa, entendidas como dimensões permanentes da vida cristã. Porém, não sei se isso está realmente acontecendo em nossas Igrejas. E isso por duas razões. Em primeiro lugar porque os cristãos, de um modo geral, são também infectados pela onda de consumismo que antecede o Natal. Salvo raríssimas exceções, os cristãos e as cristãs se preparam para o Natal indo às compras, frequentando shoppings e gastando o que não podem. Em segundo lugar porque, depois da compra de presentes, se lembram de ir ao templo fazer algumas orações e assistir a alguma missa ou culto. Reduzem a espera e a expectativa a atos de beatice e de carolice. A reza, por si só, não conduz ao clima do Advento, entendido como espera e como expectativa da vinda de Cristo, do jeito e da forma como ele costuma se manifestar. A reza, por si só, não conduz à vigilância, ou seja, à capacidade de ler os sinais dos tempos. A reza excessiva, diferentemente do que se pensa, pode levar à incredulidade (Mt 28,17; Lc 24,41).

O que se espera é que as lideranças cristãs saibam orientar bem as pessoas neste período do Advento. Que não fiquem iludindo os fiéis e reduzindo a preparação para o Natal a um amontoado de rezas, de novenas, de velas coloridas e de incenso. Que sejam capazes de ajuda-las a perceberem os sinais dos tempos e a serem, de fato, vigilantes. Capazes de estimulá-las ao compromisso e à ação. No Advento se deveria cantar com paixão o refrão da música de Geraldo Vandré: “Vem, vamos embora que esperar não é saber. Quem sabe faz a hora, não espera acontecer”.

Quem, no Advento, cruza os braços e espera acomodado as manifestações de Deus, não entendeu nada do espírito desse tempo litúrgico. “Nem todo aquele que me diz ‘Senhor, Senhor’, entrará no Reino do Céu. Só entrará aquele que põe em prática a vontade do meu Pai, que está no céu” (Mt 7,21). Quem reduz seu Advento a rezas, novenas, loas, missas e cultos, não compreendeu nada do que ele significa. Não está cultivando a verdadeira espera e a verdadeira expectativa cristãs.

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